Hoje meu telefone tocou cedo. Eu atendi ao pedido que me levou até o segundo andar do hospital - setor de hemodinâmica. Meu pai lá estava, numa maca, aguardando para fazer o tão temido cateterismo. No mesmo lugar, outras duas macas: senhor Edevaldo na primeira e na segunda a dona Cleusa. O senhor José Poiatto (meu pai) estava na maca do canto. Dois funcionários, o Rodrigo e um outro cujo nome não lembro, olhavam alguma coisa no computador.
Entrei, cumprimentei todos e fui conversar com meu pai. Mãos dadas com ele, palavras trocadas e então olhei ao redor: tensão no ar! Tensão gigante porque estava somada. Era a minha tensão, mais a tensão do sr. Edevaldo, mais a da dona Cleuza e a do meu pai. Acho que só os funcionários, já tão habituados com pacientes de avental verde deitados em maca aguardando cateterismo, que mantinham um certo ar de "não tenho nada com isso".
Foi então que eu levantei e perguntei: Posso contar uma história?
O Rodrigo deu de ombros. Meu pai me olhou orgulhoso e, nas duas outras macas, olhos brilhantes de sorrisos tímidos me encorajavam.
Comecei. Sinal de alguém pedindo para eu falar mais baixo. Ignorei. A história foi seguindo seu rumo próprio. Seis pares de olhos atentos acompanhavam. Ás vezes, apareciam outros pares de olhos, vindos de fora, que arriscavam um olhar furtivo. Outros apareciam e até se demoravam. Num momento da história a personagem canta "lavadeira, lavadeira, lava roupa bem lavada ô lavadeira". Em outros momentos, minha pequena e ilustre plateia participa e dá conselhos aos personagens. Finda a história e eu vejo sorrisos brotaram novamente. Lágrima em um par de olhos, também. Já não eram mais quatro desconhecidos naquela sala fria. A história contada permitiu aproximar as pessoas e suas histórias de vida. A prosa foi começando e todos conheceram um pouco da vida do outro; das famílias que esperavam, do time de futebol e puderam expressar como cada um estava sentindo a angústia de estar ali.
Rodrigo vem me avisar que preciso sair e esperar lá fora. Desejo boa sorte, aperto a mão de todos e saio. A espera é longa. Foram três longas horas até eu ouvir uma voz de cera: Acompanhante do sr. José Poiatto. Entro. Meu pai sentado. Médico se aproxima, e com um sorriso me diz: O exame foi ótimo. Pensamos que os vasos do coração estavam entupidos (SIC) mas tá tudo bem. Ótimo resultado, ele completou.
Fiquei mais um tempo com meu pai, ajudei-o com o almoço e, ao sair, pude ouvir o funcionário Rodrigo cantarolar: "Lavadeira, lavadeira..."
Ah! Meu pai teve alta hoje.
Eu desejo que meu pai tenha ainda muitas boas histórias para ouvir, viver e contar.
Eu desejo que todas as pessoas internadas em hospitais recebam o conforto e o alívio de histórias inspiradoras.
Abraços

A Cia Duo Encantado desde 2010, desenvolve trabalho artístico de narrativa oral e criação de repertórios a partir da pesquisa da tradição oral. Com um mote brincante, intrínseco ao sujeito da cultura popular que conta, canta e brinca. As histórias são um convite para cada um passear por suas imagens internas, se conhecer e se ver no outro. São como pontes que ligam a humanidade. Os temas são variados e expressam as riquezas culturais e os pontos de contato entre os diversos povos do mundo.
sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014
terça-feira, 4 de fevereiro de 2014
Loja de Cristais - Conto de Giovanna Artigiani
Talvez não seja muito simples de
explicar as motivações que levam a nós vitrinistas, a buscar coisas das quais
não temos referências com o objetivo que criar nos observadores uma vontade
incontrolável de entrar em uma loja. Na minha rotina circular eu reservava
tempo para inspirar-me no mundo e seguia assim, caminhando pela rua observando
as pessoas e seus jeitos, as coisas e seus detalhes. Eu desempenho no mundo
comercial o papel de cupido, buscando flechar pela cena apaixonante de uma
vitrine o olhar do comprador. Dirão que não tenho uma missão muito nobre, que
sou é uma enganadora que seduz para extirpar e usufruir. Mas não, a vitrine é
uma promessa, se for montada de uma forma que abrace o provável comprador com um
véu ela pode até mesmo unir duas pontas de corda: o desejo recém-nascido e a
associação de felicidade que a vitrine propõe.
![]() |
Imagem retirada do blog: http://claudeteedeca.blogspot.com.br/2011/12/o-natal-de-cristal-da-harrods.html |
Eu
tinha em mente um projeto específico de uma loja de bolsas. Pensava em montar a
vitrine com as bolsas semi-abertas exibindo cristais como se eles tivessem sido
roubados. “Fui a uma festa e roubei essa taça”, “visitei tia Sophia e roubei
esse vaso”. Mensagens escondidas e cifradas de aquisição não legítima de
glamour, leveza e beleza. Como quem beija um homem que não é seu às escondidas,
como quem quer vender refrigerante e fala de sorrisos, como quem quer vender
cigarros e fala de aventuras, como quem quer vender sanduíches e fala de amor.
Eu
sabia onde deveria ir e entrei na galeria apertada e antiga, em direção à loja
de cristais.
Fui
recebida na loja pelos olhos compreensivos do seu antigo dono. Haveria hoje
peças novas? Com os óculos na ponta do nariz e a habilidade na ponta dos dedos,
mostrava-me variados objetos de cristal. Olhava-o através das peças enquanto
escutava sua voz pausada e descritiva de origens e funções. Eu separei algumas
peças médias, sempre unitárias, nada aos pares. Ouvi o farfalhar dos cristais
sendo abraçados em papel de seda e sendo colocados para dormir em suas
caixas-berço de papelão. Aquele homem fazia o seu trabalho parecer o trabalho
mais importante do mundo pelo tempo em que ele despendia no manuseio. Anotou o
endereço da entrega em um papel amarelo-velho e me prometeu que no dia seguinte
as peças de cristal acordariam o vigia da loja onde eu montaria a vitrine. Elas
me dariam um beijo de bom dia e nós nos faríamos companhia, como velhos amigos
que tem segredos em comum.
Giovanna Artigiani
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