Talvez não seja muito simples de
explicar as motivações que levam a nós vitrinistas, a buscar coisas das quais
não temos referências com o objetivo que criar nos observadores uma vontade
incontrolável de entrar em uma loja. Na minha rotina circular eu reservava
tempo para inspirar-me no mundo e seguia assim, caminhando pela rua observando
as pessoas e seus jeitos, as coisas e seus detalhes. Eu desempenho no mundo
comercial o papel de cupido, buscando flechar pela cena apaixonante de uma
vitrine o olhar do comprador. Dirão que não tenho uma missão muito nobre, que
sou é uma enganadora que seduz para extirpar e usufruir. Mas não, a vitrine é
uma promessa, se for montada de uma forma que abrace o provável comprador com um
véu ela pode até mesmo unir duas pontas de corda: o desejo recém-nascido e a
associação de felicidade que a vitrine propõe.
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Imagem retirada do blog: http://claudeteedeca.blogspot.com.br/2011/12/o-natal-de-cristal-da-harrods.html |
Eu
tinha em mente um projeto específico de uma loja de bolsas. Pensava em montar a
vitrine com as bolsas semi-abertas exibindo cristais como se eles tivessem sido
roubados. “Fui a uma festa e roubei essa taça”, “visitei tia Sophia e roubei
esse vaso”. Mensagens escondidas e cifradas de aquisição não legítima de
glamour, leveza e beleza. Como quem beija um homem que não é seu às escondidas,
como quem quer vender refrigerante e fala de sorrisos, como quem quer vender
cigarros e fala de aventuras, como quem quer vender sanduíches e fala de amor.
Eu
sabia onde deveria ir e entrei na galeria apertada e antiga, em direção à loja
de cristais.
Fui
recebida na loja pelos olhos compreensivos do seu antigo dono. Haveria hoje
peças novas? Com os óculos na ponta do nariz e a habilidade na ponta dos dedos,
mostrava-me variados objetos de cristal. Olhava-o através das peças enquanto
escutava sua voz pausada e descritiva de origens e funções. Eu separei algumas
peças médias, sempre unitárias, nada aos pares. Ouvi o farfalhar dos cristais
sendo abraçados em papel de seda e sendo colocados para dormir em suas
caixas-berço de papelão. Aquele homem fazia o seu trabalho parecer o trabalho
mais importante do mundo pelo tempo em que ele despendia no manuseio. Anotou o
endereço da entrega em um papel amarelo-velho e me prometeu que no dia seguinte
as peças de cristal acordariam o vigia da loja onde eu montaria a vitrine. Elas
me dariam um beijo de bom dia e nós nos faríamos companhia, como velhos amigos
que tem segredos em comum.
Giovanna Artigiani
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