terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Loja de Cristais - Conto de Giovanna Artigiani

Talvez não seja muito simples de explicar as motivações que levam a nós vitrinistas, a buscar coisas das quais não temos referências com o objetivo que criar nos observadores uma vontade incontrolável de entrar em uma loja. Na minha rotina circular eu reservava tempo para inspirar-me no mundo e seguia assim, caminhando pela rua observando as pessoas e seus jeitos, as coisas e seus detalhes. Eu desempenho no mundo comercial o papel de cupido, buscando flechar pela cena apaixonante de uma vitrine o olhar do comprador. Dirão que não tenho uma missão muito nobre, que sou é uma enganadora que seduz para extirpar e usufruir. Mas não, a vitrine é uma promessa, se for montada de uma forma que abrace o provável comprador com um véu ela pode até mesmo unir duas pontas de corda: o desejo recém-nascido e a associação de felicidade que a vitrine propõe.


Imagem retirada do blog: http://claudeteedeca.blogspot.com.br/2011/12/o-natal-de-cristal-da-harrods.html

            Eu tinha em mente um projeto específico de uma loja de bolsas. Pensava em montar a vitrine com as bolsas semi-abertas exibindo cristais como se eles tivessem sido roubados. “Fui a uma festa e roubei essa taça”, “visitei tia Sophia e roubei esse vaso”. Mensagens escondidas e cifradas de aquisição não legítima de glamour, leveza e beleza. Como quem beija um homem que não é seu às escondidas, como quem quer vender refrigerante e fala de sorrisos, como quem quer vender cigarros e fala de aventuras, como quem quer vender sanduíches e fala de amor.
            Eu sabia onde deveria ir e entrei na galeria apertada e antiga, em direção à loja de cristais.
            Fui recebida na loja pelos olhos compreensivos do seu antigo dono. Haveria hoje peças novas? Com os óculos na ponta do nariz e a habilidade na ponta dos dedos, mostrava-me variados objetos de cristal. Olhava-o através das peças enquanto escutava sua voz pausada e descritiva de origens e funções. Eu separei algumas peças médias, sempre unitárias, nada aos pares. Ouvi o farfalhar dos cristais sendo abraçados em papel de seda e sendo colocados para dormir em suas caixas-berço de papelão. Aquele homem fazia o seu trabalho parecer o trabalho mais importante do mundo pelo tempo em que ele despendia no manuseio. Anotou o endereço da entrega em um papel amarelo-velho e me prometeu que no dia seguinte as peças de cristal acordariam o vigia da loja onde eu montaria a vitrine. Elas me dariam um beijo de bom dia e nós nos faríamos companhia, como velhos amigos que tem segredos em comum.

Giovanna Artigiani


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