Autoria de Giovanna
Artigiani
Timidamente, Vitor batia na porta de
Takane. O que ele buscava ali era muito simples: queria aprender a fazer
bonsais e sabia que Takane fazia isso. Pediria que ele lhe desse aulas,
perguntaria o valor e combinaria os horários.
Takane, lá do fundo do galpão,
interrompeu sua atividade e chegou mais perto de Vitor, cumprimentando-o com um
gesto de cabeça. Vitor expôs as suas ideias objetivamente. Takane escutou e lhe
disse “Me acompanhe”. Andaram pelo galpão em silêncio, observando as árvores. Depois,
Takane levou Vitor a um canto, onde havia mudas, e lhe disse que escolhesse uma
para iniciar o cultivo do seu primeiro bonsai. Vitor escolheu uma rosqueira e Takane
escolheu uma figueira.
– Essas duas árvores ficarão juntas
aqui nesta estante. Cada vez que você vier, trabalharemos no cultivo de bonsais
com elas – e Takane despediu-se com um gesto de cabeça.
Vitor entendeu que era o fim da
aula. Pensou que aquele encontro fora pouco objetivo. Voltou a dali dois dias; sobrou
meia hora no intervalo do almoço e ele resolveu passar no galpão, essa era a
verdade.
Ele entrou e foi até Takane, que lhe
sorriu e se dirigiu à estante, onde seus bonsais esperavam pacientes. Cada um
pegou a sua árvore e as levaram à bancada; Vitor observava Takane e tentava lhe
imitar. Pegaram vasos rasos, cortaram as raízes um pouco e plantaram as árvores
com as pontas dos dedos. Colocaram um pouco de água, bem pouco. Takane voltava
com a sua árvore para a estante e Vitor entendeu que deveria fazer o mesmo. Era
o fim da aula de novo.
Vitor voltou mais duas vezes, e era sempre
bem recebido. Parecia que Takane o estava esperando. Sempre que ele chegava,
Takane de imediato interrompia o que estava fazendo para trabalharem juntos nos
bonsais, como se ele estivesse completamente desocupado, mas na verdade Vitor
via que ele sempre estava fazendo alguma coisa, que interrompia para lhe dar
atenção. Pensou bastante se alguma vez em sua vida tinha recebido a visita
inesperada de um amigo em seu escritório. Seus amigos nunca o visitariam lá,
pois sabiam que ele jamais interromperia suas atividades para conversar com
quem quer que fosse. Seus amigos mais íntimos marcavam horário, ligavam antes
de ir, perguntavam se podiam entrar. Que coisa!
Vitor então decidiu que na próxima
visita ao galpão de Takane seria objetivo e perguntaria se poderiam combinar um
horário para as aulas. Ele fez isso; Takane sorriu e respondeu objetivamente
também:
–
Este é o meu trabalho. Você vem, se eu estiver aqui, trabalhamos juntos pelo
tempo necessário.
Vitor gostava da companhia de
Takane, tentou inclusive conversar com ele, como coisa que fazem os amigos. Por
uma ou duas vezes tentou iniciar um assunto do tipo “Você assistiu o jogo
ontem?” ou “Tem feito muito calor, não acha?” Mas Takane respondia sim ou não e
o assunto morria outra vez. Vitor às vezes falava algo sozinho, contava algo do
seu cotidiano, mas já não esperava mais a interlocução do amigo. Um dia, Takane
falou a Vitor:
–
Observe uma floresta. Tudo nela está crescendo e não há barulho o tempo todo,
somente sons esparsos, necessários.
Vitor passou, depois disso, a adotar
outra postura: quando um assunto lhe viesse à cabeça, ele refletiria se era
importante falar aquilo. Se não fosse algo absolutamente necessário para dividir,
ele simplesmente esperava a vontade de falar passar. Muitos encontros se
passaram em que ele notou que nenhuma palavra havia sido dita, mas os bonsais e
aquela relação de amizade continuavam, sem nenhuma dúvida, a crescer.
Vitor precisou muito, um dia, dizer
a Takane que queria pagar pelas aulas. Takane sorriu e respondeu:
–
Eu não dou aulas de cultivo de bonsais, não há nenhuma placa anunciando isso na
frente do galpão.
–
Mas você dá aulas para mim, Takane!
–
Não sou eu que ensino, é você que aprende. Quando você vem, trabalhamos juntos,
observando nossas árvores e tentando interagir com elas.
–
Mas eu me sinto grato.
–
Então isso muda tudo. Se você desejar fazer algo por mim, pode me ajudar na
exposição de bonsais. No último final de semana de cada mês, abro o galpão para
exposição e venda, das oito horas da manhã às oito horas da noite. Nesses dias,
eu preciso de ajuda; você será bem-vindo.
Vitor ficou estarrecido. Takane... que
jogada de mestre! Ele pediu que Vitor o pagasse, se quisesse, com sua moeda de
troca mais valiosa: seu tempo. Vitor perguntou-se se queria mesmo usar um final
de semana inteiro seu com essa atividade, e o quê, afinal, os bonsais estavam
representando em sua vida.
No último final de semana do mês, lá
estavam Vitor e Takane, abrindo o galpão e recebendo os visitantes. Vitor ficou
muito impressionado consigo mesmo ao responder várias perguntas das quais não
sabia que conhecia as respostas. Ao final do domingo, Vitor se sentia cansado,
de uma forma diferente da que costumava sentir ao final de um dia de trabalho
seu no escritório da agência de publicidade. Ele se sentia feliz por ter sido
útil, e nem sempre se sentia assim ao entregar uma campanha publicitária. Eram trabalhos
diferentes, como se pertencessem a mundos diferentes.
Um dia, sentados lado a lado na
bancada, cada um cultivando o seu bonsai, Vitor contou à Takane:
–
Acabo de saber que vou ser pai.
–
Como se sente?
–
Assustado.
Takane
disse, depois de alguns minutos:
–
Criar filhos não é muito diferente de cultivar bonsais. A árvore tem uma força
de crescimento própria, que você, como cultivador, tenta orientar, adubando as
aptidões e podando o que considera maus instintos. O desafio é estar presente e
atento, observar cada ramo e cada folha, saciar as necessidades na medida em que
apareçam, dando somente o suficiente, na hora certa.
Vitor nunca tinha ouvido Takane
falar uma frase tão longa. Ele sabia que o amigo tinha dois filhos, que
ajudavam também nos finais de semana da exposição. Aquele seu conselho de
experiência vivida acalmou o seu coração.
Vitor mudou-se de apartamento,
estava arrumando a vida para receber a filha que chegaria em alguns meses. Sua agora
esposa lhe sugeriu dar o novo endereço a Takane e lhe convidar para os visitar.
Vitor chateou-se consigo mesmo por não ter pensado nisso antes, mas quando deu
o endereço anotado para Takane, ressaltou que ele poderia vir quando quisesse.
Takane sorriu, guardou o papel no
bolso. Enquanto cultivavam seus bonsais, naquele mesmo dia, Takane fez uma
pergunta a Vitor:
–
Posso lhe pedir, bom amigo, que me ensine a fazer uma coisa?
Vitor arregalou os olhos assustado
com a pergunta, sem saber o que ele poderia saber fazer que o amigo quisesse
aprender. Takane completou sua pergunta:
–
Eu gostaria que me ensinasse a fazer caipirinha.
Vitor deu uma risada gostosa e
abraçou o amigo brevemente, para desconcerto total de Takane. Mas Vitor, bom
brasileiro, não podia perder a chance de imitar o amigo:
–
Não vou ensiná-lo. Vamos fazer juntos, você é que vai aprender.
Em um dia à noite, na mesma semana,
Takane bateria à porta do apartamento de Vitor, acenaria com a cabeça e
entraria. Vitor nem pestanejou em interromper o trabalho que fazia no
computador e ir com o amigo para a cozinha, fazer caipirinha.
Enquanto trabalhavam, Takane tentou
puxar um assunto: ele estudara, antes de vir, alguns nomes usados como sinônimo
de cachaça no Brasil. Eles se divertiam relembrando nomes como “água que
passarinho não bebe”, “marvada”, “branquinha” e outros, tão sugestivos quanto.
Feita a caipirinha, foram saboreá-la na varanda.
Depois que Takane foi embora, a
esposa de Vitor comentou que foi muito estranho vê-los na varanda, tomando
caipirinha em silêncio. Vitor pensou, com muita satisfação, que o silêncio não
o incomodava mais. Esse ritual da caipirinha se repetiria muitas outras vezes,
com grande satisfação para ambos.
No galpão de Takane, enquanto
cultivavam seus bonsais, Vitor perguntaria um dia ao amigo:
–
Quando meu bonsai poderá ser considerado pronto?
Takane riu:
–
Nunca, Vitor; bonsais são vivos, não estão prontos nunca. Não são como
caipirinha, que se aprende em um dia. Se você quer um novo desafio, podemos
começar a trabalhar em outra muda. Você vai ver como algo que parece igual pode
ser muito diferente.
A filha de Vitor nasceu, começou a
andar, começou a falar e foi para a escola. Nos finais de semana da exposição,
a filha e a esposa de Vitor o visitavam no galpão e conversavam um pouco com os
filhos e a esposa de Takane.
Numa viagem de trabalho, nessa
época, Vitor estava participando de dinâmicas de grupo com os colegas do
escritório. Na entrevista com a psicóloga, pleiteando subir de cargo, ela se
mostrou agradavelmente surpresa com o que chamou de hobby de Vitor. Vitor respondeu-lhe que era muito mais do que isso.
Custava muito caro, custava o seu tempo.
A amizade, já tão longa, via os
bonsais iniciais tomarem formas, e outras árvores se juntaram às primeiras,
invendíveis. Vitor contou a Takane que seria pai outra vez.
Takane de novo perguntou:
–
Como se sente?
E
Vitor respondeu:
–
Imensamente feliz. Posso cuidar de mais de um bonsai de cada vez.